2.01.2006

Kendo não é auto-ajuda.

O post abaixo foi enviado para meus companheiros de treino no e-grupo de nosso dojo. Fiz isso atendendo solicitação do Sensei de que enviássemos por escrito o que havíamos entendido sobre o que ele falou.

"Kendo não é auto-ajuda. Kendo é muito mais do que isso. Praticando Kendo, você não será mais rico, mais feliz, mais inteligente. Kendo não ensina essas coisas. Você deve aprender primeiro o Kendo, pratica-lo direito. Talvez depois essa compreensão te ajude nessas coisas."


Cito de memória, então as palavras podem não ser exatamente essas. Foi a lição de fim de aula do Sensei.

Eu pensei um pouco sobre isso e cheguei a algumas conclusões. Não custa escreve-las aqui e coloca-las a prova. Críticas são sempre bem-vindas.

O que o Sensei Santos denominou por "auto-ajuda" nesse caso designa uma categoria de coisas bem definida. A dita "auto-ajuda" de livros chamados de auto-ajuda ou corporativos tais como "Pai rico, pai pobre", "Quem mexeu no meu queijo", etc.

Embora tais livros tenham seus méritos e seu lugar, frequentemente emprestam conceitos do Budo para ensinar as pessoas a gerenciar melhor uma empresa, terem mais sucesso com as mulheres ou fazerem mais amigos. Ex.: "A arte da guerra para gerentes".

Isso geralmente resulta em uma mutilação de conceitos muito mais profundos e consequente distorção dos mesmos.

Nesse caso, tais conceitos se tornam apenas teoria, sem uma vivência prática essencial para a compreensão completa de algo que mais do que é uma idéia, é uma experiência. Ninguém compreende Shugyo até ter tido um desmaio (ou quase) em uma aula onde deu tudo de si. Ninguém entende Mushin sem ter se deixado levar completamente pelo Ki e feito um movimento perfeito. E mesmo essa primeira compreensão pode ser aprofundada em mais e mais níveis, conforme a qualidade das experiências que vamos tendo.

Transformar Kendo, Aikido, enfim, Budo em algo para ser vendido e comprado por pessoas que não estão dispostas a se dedicar e lutar pela verdadeira compreensão dessas coisas é prostituir a arte. O "Dô" contido nessas artes significa "caminho espiritual" (a grosso modo) e o kanji que o representa é o mesmo usado para "Tao" em chinês que é o fundamento de todo o pensamento Taoísta (que não cabe ser investigado aqui). Tratar de tais assuntos levianamente é transforma-los em "conversa de boteco".

Um instrutor de Aikido muito querido que tive no passado, costumava nos repreender quando nos encontrava em "rodinhas" discutindo o que obviamente, ninguém ali havia experimentado. Geralmente na aula seguinte, convidava um dos "sabidinhos" para demonstrar o conceito que estava sendo discutido na prática perante o restante do dojo. Tais lições ficaram profundamente marcadas em mim.

Acho que é isso. Aguardo os posts de todos os companheiros de treino.

Arigatogozaimasu.

1 Comments:

Blogger Christian Rocha said...

É natural que nós, como ocidentais que se envolvem com artes orientais, nos sintamos tão atraídos pela idéia de que a prática e a experiência são muito importantes. Mas veja: é uma idéia que nos atrai e sobre a qual falamos.

A mim, muito pessoalmente, ela não parece mais válida do que outras idéias -- por exemplo, aquela que diz que a mente conduz o corpo e que, sim, arte marcial pode ser uma forma de auto-ajuda (disciplina entendida aqui sem seus gadgets livrescos e seus gurus barbudos e sorridentes, entendida como um prosaico fio-de-meada para que o sujeito possa, enfim, se virar sozinho).

O corpo conduz a mente. A mente conduz o corpo. A prática leva à teoria. A teoria leva à prática.

Uma das coisas mais interessantes das artes marciais é o fato de podermos perceber com mais luz e cor que as coisas diferentes convergem lá à frente, que toda dialética (todo maniqueísmo) tende à síntese. E que, afinal, eu e você, uke e nague, ken e kendoka, mente e corpo, são símbolos de uma Unidade mal compreendida.

7/2/06 15:46  

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