2.25.2006

Ódio

Acordo suado, ofegante, com ódio. Sonhei que briguei, feio.
Um fantasma do passado, discussões sobre erros distantes. Maldito seja o subconsciente.

Levanto, vou ao banheiro para ficar menos "enfezado". Lavo o rosto, volto pra cama.
Um clique me faz refletir, tento me alçar acima do óbvio e volto a dormir refletindo sobre o sonho, sobre o ódio.
O ser humano tem essa mania. De querer mostrar para os outros que estão errados na porrada. Tento fixar no meu coração o fato de que não podemos ajudar as pessoas quando elas não querem se ajudar. Respeitar o livre-arbítrio alheio. Paciência e confiança no ser humano e mais importante, na centelha divina que tem dentro de cada um.

As pessoas mudam sim. Primeiro elas tem que passar pelos seus processos internos e externos. Quando a mudança não nasce do impulso genuíno de querer ser algo, ou alguém melhor, ela terá que ser motivada pela dor que vida provoca.
Dor dos erros, dor da ausência, dor. Esse processo pode levar dias, meses, anos... uma vida toda. Não é bom pra ninguém viver a própria vida esperando que os outros mudem, nunca espere. Aceite ou se afaste. Se você acredita sentir algo superior (como amor), guarde aquele sentimento e viva sua vida. Os filhos sempre aprendem. Algumas vezes tarde demais para a reconciliação com os pais, mas aprendem.

E o ódio? Ele está dentro de todo mundo. Ser humano também é sentir ódio, sentir raiva. Se você observar com cuidado seu interior durante o dia, vai descobrir ele lá. Entre pensametos e sentimentos. Muitas vezes motivando nossas atitudes..

As atitudes violentas? Não creio que elas sejam necessárias. Não com a intensidade e frequência com que as uso. Ser forte não é ser bravo. Uma descoberta antiga, anos de estudo sobre o tema.

Pelo menos, finalmente, isso tem se tornado verdade na minha vida, nos meus atos. É bom olhar pra si mesmo e ver que estamos melhorando.
O sonho só serviu pra me mostrar onde eu preciso trabalhar melhor, o que devo tomar cuidado. Valeu subconsciente. ;)

Eu já perdi demais na vida por me precipitar quando fico bravo. Chega!

2.11.2006

Ir além e reflexões sobre o fim da vida.

Quem treina kendô tem que sempre ir além. Após 500 suburis, quando os braços parecem não responder mais, quando o fôlego já não aguenta, quando o suor atrapalha os olhos, não devemos parar.
Fazemos mais 10 e então paramos.
Quando depois de muito tempo sentados em seiza e os joelhos, pernas e tendões doem, antes de desistirmos e mudarmos de posição, conta-se até 10 e então mudamos.

Esse treino não é um treino de orgulho, de querer ser mais do que os OUTROS. Nesse treino antes de mais nada o kendoka exercita a sua VONTADE. O lema é "mais um". Antes de desfalecer de exaustão, "mais um" suburi. Antes de morrer no meio do campo de batalha, "mais um" inimigo. Antes de desistir, tentar "mais uma" vez. Auto-superação.

Com isso o guerreiro se torna responsável por ser sempre mais do que ele mesmo. Superar-se sempre, vencer os seus próprios obstáculos. Lembro me que no filme "O último samurai" o ocidental nota que os samurais são "pessoas que se dedicam ao auto-aperfeiçoamento desde o raiar do sol até o fim do dia, em cada atitude, como se cada segundo de vida fosse um milagre".

Aplicando isso na vida, depois de praticar um pouco de kendo, o guerreiro impõe sua vontade a tudo em sua vida indo um pouco além.
Com o tempo a vontade se torna forte o suficiente para que os obstáculos sejam vencidos sempre. "Vencer [a si mesmo, eu acrescentaria, talvez ingenuamente], ou morrer tentando".

O samurai abdicava da própria vida na batalha para poder honrar ao seu clã e ao seu senhor. Certamente esse é um dos maiores exemplos de exercício da vontade.

No entanto entendo que é necessário mais força de vontade para viver corretamente do que para abdicar da vida.
["Algumas pessoas não abdicam do erro porque devem a ele sua existência". Goethe]

Certa vez ouvi de um mestre que ser samurai era:
"Fazer a coisa certa, na hora certa."

Quem pode saber quando é certo encerrar a vida? Eu arriscaria dizer que somento o criador.
No entanto em uma batalha, mais do que por honra, justiça ou lealdade, luta-se para preservar a própria vida, presente mais sagrado nos concedido pela divindade.

(Um minuto de silêncio pela alma de todos que tiveram de escolher. A própria vida ou a dos outros).

2.01.2006

Kendo não é auto-ajuda.

O post abaixo foi enviado para meus companheiros de treino no e-grupo de nosso dojo. Fiz isso atendendo solicitação do Sensei de que enviássemos por escrito o que havíamos entendido sobre o que ele falou.

"Kendo não é auto-ajuda. Kendo é muito mais do que isso. Praticando Kendo, você não será mais rico, mais feliz, mais inteligente. Kendo não ensina essas coisas. Você deve aprender primeiro o Kendo, pratica-lo direito. Talvez depois essa compreensão te ajude nessas coisas."


Cito de memória, então as palavras podem não ser exatamente essas. Foi a lição de fim de aula do Sensei.

Eu pensei um pouco sobre isso e cheguei a algumas conclusões. Não custa escreve-las aqui e coloca-las a prova. Críticas são sempre bem-vindas.

O que o Sensei Santos denominou por "auto-ajuda" nesse caso designa uma categoria de coisas bem definida. A dita "auto-ajuda" de livros chamados de auto-ajuda ou corporativos tais como "Pai rico, pai pobre", "Quem mexeu no meu queijo", etc.

Embora tais livros tenham seus méritos e seu lugar, frequentemente emprestam conceitos do Budo para ensinar as pessoas a gerenciar melhor uma empresa, terem mais sucesso com as mulheres ou fazerem mais amigos. Ex.: "A arte da guerra para gerentes".

Isso geralmente resulta em uma mutilação de conceitos muito mais profundos e consequente distorção dos mesmos.

Nesse caso, tais conceitos se tornam apenas teoria, sem uma vivência prática essencial para a compreensão completa de algo que mais do que é uma idéia, é uma experiência. Ninguém compreende Shugyo até ter tido um desmaio (ou quase) em uma aula onde deu tudo de si. Ninguém entende Mushin sem ter se deixado levar completamente pelo Ki e feito um movimento perfeito. E mesmo essa primeira compreensão pode ser aprofundada em mais e mais níveis, conforme a qualidade das experiências que vamos tendo.

Transformar Kendo, Aikido, enfim, Budo em algo para ser vendido e comprado por pessoas que não estão dispostas a se dedicar e lutar pela verdadeira compreensão dessas coisas é prostituir a arte. O "Dô" contido nessas artes significa "caminho espiritual" (a grosso modo) e o kanji que o representa é o mesmo usado para "Tao" em chinês que é o fundamento de todo o pensamento Taoísta (que não cabe ser investigado aqui). Tratar de tais assuntos levianamente é transforma-los em "conversa de boteco".

Um instrutor de Aikido muito querido que tive no passado, costumava nos repreender quando nos encontrava em "rodinhas" discutindo o que obviamente, ninguém ali havia experimentado. Geralmente na aula seguinte, convidava um dos "sabidinhos" para demonstrar o conceito que estava sendo discutido na prática perante o restante do dojo. Tais lições ficaram profundamente marcadas em mim.

Acho que é isso. Aguardo os posts de todos os companheiros de treino.

Arigatogozaimasu.

Dia 03.

"Kendo não é auto-ajuda. Kendo é muito mais do que isso. Praticando Kendo, você não será mais rico, mais feliz, mais inteligente. Kendo não ensina essas coisas. Você deve aprender primeiro o Kendo, pratica-lo direito. Talvez depois essa compreensão te ajude nessas coisas."

Cito de memória, então as palavras podem não ser exatamente essas. Foi a lição de fim de aula do Sensei.

Antes disso, falando da parte prática, ele falou que os golpes não devem ser fortes. Mas devem.

Isso me lembrou do Aikido, particularmente do que o Koichi Tohei fala sobre os 4 princípios de unificação de mente. Eu reparei em mim mesmo e nos alunos mais graduados uma mania de quando estamos tentando fazer as técnicas certas, de usar mais e mais força. Isso me pareceu resultar em algumas coisas:

- Diminuição de velocidade dos golpes. Toda vez que você golpeia com força, é difícil retomar o kamae para estar pronto para desferir outro.
- Enfeiamento. O uso da força resulta em um golpe bruto, com menos beleza e mais agressividade.
- Perda de foco. Quando estou me esforçando para me "corrigir" e uso cada vez mais força, a visão se estreita e torna-se difícil localizar em quê exatamente estou errando, quando mais corrigir. Além do mais, do esforço exagerado nasce junto uma insegurança que na minha opnião mina qualquer possibilidade de acerto.

O Sensei tem sido atencioso, dedica alguns minutos sempre aos alunos menos graduados. Eu tenho sido agraciado com isso. É altamente gratificante ter alguém com tanto conhecimento fazendo questão de guiar meus passos. Ele poderia muito bem, designar um "senpai" (aluno mais experiente) para isso. É uma honra e procuro dar o melhor de mim para merece-la.

Hoje tenho que resolver algumas coisas relativas a mudança de apartamento. Organizar a minha bagunça que sei estar incomodando uma pessoa da casa. É importante fazer as coisas certas em toda a vida.

Antes de começar a treinar, um dia que fui a um happy hour do pessoal do dojo, Sensei falou que não era problema faltar nas aulas desde que soubéssemos estar fazendo algo importante, não qualquer coisa. Acho que hoje é o caso. Organizar minhas coisas é importante por várias razões.

Primeiro para não quebrar a Wa (harmonia) do lugar onde moro. Muitas pessoas em uma mesma casa (6!) torna um pouco difícil a convivência, logo devo me esforçar ao máximo para contribuir. Segundo, organizar as minhas coisas é também um exercício de organizar a mente, sincronizá-la com as mudanças que tem acontecido e fazer planos para as que estão por acontecer. Essa energia colocada em "organização" acaba por inércia se estendendo para outros setores da vida.

Acho que não haverá aula sábado, tem campeonato em São Carlos, estou tentando combinar com um colega de trabalho (que é de lá) para ir assistir. Se quero levar esse caminho a sério, faz-se necessário assumir mais e mais compromissos (internos e externos) com a arte, com os companheiros de prática, com o Kan (escola).

Por hoje é só.